Semiótica

O que é Semiótica?
Quando definimos o termo “Semiótica”, mesmo tratando-se da semiótica européia, não basta colocá-lo apenas como indicativo da “Teoria da Significação”, segundo Greimas, pois nos depararíamos com a barreira polissêmica ou polissemêmica* , cf. Dicionário de semiótica (Greimas/Courtés, s. d., p. 341 ), cuja semântica do termo embora exaurível – no entendimento do pensamento científico -, exigiria que particularidades alusivas à sua distinção fossem detalhadas, possibilitando não confundi-la com a “Teoria dos Signos”.
O termo Semiótica, durante muito tempo, serviu para designar o estudo dos sistemas de signos e/ou dos sinais de comunicação, ou ainda da natureza dos signos em relação a seus referentes, além de se comutar, confusamente, com o parassinônimo Semiologia.
Para não recorrermos a densos dados teóricos, devemos aqui salientar somente aqueles que poderão esclarecer dúvidas que, com certeza, satisfarão expectativas inquietantes e a curiosidade de neófitos semioticistas.
Até os anos setenta, Semiótica / Semiologia eram termos considerados quase que intermutáveis. Somente após a publicação de um artigo de A.-J. GREIMAS no jornal parisiense Le Monde, por R. P. Droit (07-06-1974), a Semiótica Greimasiana, designando, de um certo modo, a “Semiótica da Escola de Paris” e seus seguidores, passou a distinguir-se das demais em virtude de suas propostas específicas e, evidentemente, de seu distanciamento das outras “Semióticas”.
A semiótica de GREIMAS lançou a proposta da desconstrução do sentido inserido nos textos/discursos verbais. Tradicionalmente, texto refere-se a toda manifestação verbal escrita, formando um todo coerente de significação, opondo-se a discurso, que diz respeito à exposição oral – fala* (dicionário, p. 460) – concernente a um determinado assunto. Para linguistas, como R. Jacobson, a fala sendo anterior à escrita, esta última seria apenas um derivado daquela, uma tradução da manifestação oral; para outros, como L. Hjelmslev, o ponto de vista genético não é pertinente, pois uma forma semiótica pode ser manifestada por várias substâncias como, por exemplo, o conteúdo de um conto que pode ser manifestado por várias substâncias da expressão (gráfica, físico-sonora, físico-ótica, eletrônica), e formas da expressão (sistemas gráfico, fônico, fílmico etc). Vemos que os termos texto e discurso, utilizados para a manifestação do processo linguístico, empregam-se indiferentemente para designar o eixo sintagmático das semióticas verbal e não-verbal (musical, rituais, cerimônias, balés, pantomimas, plástica, visual). Ora, atualmente tanto texto quanto discurso comutam-se sem dificuldade, em qualquer contexto, mesmo se atribuirmos a discurso o conceito, menos corrente, de manifestação do sentido.
Definindo significação como “a articulação do sentido”, para produzi-la precisamos textualizar, isto é, fazer uso de uma linguagem de manifestação. Sabemos, outrossim, que qualquer linguagem (verbal ou não-verbal) constitui-se de dois planos: o do conteúdo e o da expressão, e que, uma vez escolhidos e unidos pelo sujeito da enunciação, produzem a significação.
Era desejo de Greimas, no entanto – embora dedicado à linguagem verbal -, que sua Teoria se distendesse às demais linguagens, com a finalidade de proporcionar às mesmas a descoberta da natureza dos conteúdos nelas inseridos, específicos do não-verbal, para que ganhassem autonomia e credibilidade no universo da significação. Assim estariam cada vez mais distanciadas da linguagem verbal, servindo-se apenas de seu caráter metalinguístico para, porventura, provar sua existência simbólica.
A Semiótica, caracterizando-se como uma “gramática do conteúdo”, é obvio que não  pode prescindir da expressão, pois é esta que, ‘concretamente’, manifesta o sentido; porém, contrariando a indissolubilidade do signo linguístico proposta por Saussure (qual uma folha de papel com frente e verso), Hjelmslev afirmava que nenhum avanço poderia ser proporcionado à linguística caso não fossem separados e tratados, distintamente, esses dois planos da linguagem: o da expressão (= significante) e o do conteúdo (= significado), contendo, cada qual, substância e forma.
Greimas preferiu, na esteira de Hjelmslev, dar uma certa autonomia aos planos da expressão e do conteúdo para poder, separadamente, melhor estudá-los; dessa forma, ele pôde elaborar uma metalinguagem apropriada para analisar e descrever a significação de um texto/discurso, apresentando as estruturas que compõem a gramática do conteúdo, segmentando-as em seus diferentes patamares e níveis de significação.
As estruturas responsáveis pela produção textual constituem o que Greimas denominou de PERCURSO GERATIVO DO SENTIDO (dicionário*, p. 209), onde ele apresenta, sob esta rubrica, a problemática da disposição geral de uma teoria. Assim sendo, quando examinamos o som da fala (musical ou verbal), só podemos interpretá-lo como sendo uma substância físico-acústica, sonora, variável, sendo produzida sob uma forma invariável: sistema linguístico ou musical.

As estruturas do Percurso Gerativo do Sentido greimasiano, seus componentes e sub-componentes podem ser aqui observados, em conformidade com nossos resultados colhidos após inúmeros anos de estudos e dedicação voltados ao ensino superior, com o objetivo de facilitar a aprendizagem àqueles provindos de diversificadas áreas do conhecimento acadêmico (verbal e não-verbal).
Como podemos averiguar, o processo de comunicação aristotélico do “quem diz o que a quem” é preservado e ampliado, embora com ressalvas; a comunicação para Greimas é apenas uma forma de significação, entre outras.  Ele admite a significação independente da comunicação; os actantes da comunicação não são autômatos do tipo emissor / receptor, mas sim sujeitos competentes; ( ver intenção*p. 237, intencionalidade*,  competência modal*); a comunicação nem sempre é um ato voluntário; o sujeito da enunciação se subdivide em enunciador /enunciatário, que podemos facilmente aproximar de autor/leitor. Convém assinalar que essa dupla constitui, por sua vez, os actantes destinador/destinatário da mensagem como pólos da comunicação fora do texto, opondo-se a narrador/narratário cujo caráter bi-polar situa-se dentro do texto, assim como interlocutor/interlocutário – pressupostos pelo diálogo – reproduzem a estrutura da comunicação sob forma de simulacro, no interior do discurso. Desta forma, percebemos que a Semiótica revela duas preocupações, a saber :
a) uma com a leitura, interpretação e exploração do sentido através de análise;
b) e, numa etapa posterior – uma vez observados os mecanismos de geração textual -, fornecer subsídios para a produção de textos verbais ( redações ) ou não-verbais, uma vez que seus horizontes foram redimensionados, permitindo extrapolar as fronteiras do verbal, como pretendia o mestre, alcançando outras áreas não-verbais da produção do conhecimento, da significação.
Com referência à interpretação textual, devemos considerar os diferentes níveis de significação, que compõem as estruturas do percurso gerativo do sentido, como leituras parciais (Greimas) do texto e não como pluri-leituras (Barthes) pelo simples fato de não serem inesgotáveis. Quando abordamos um texto, decodificamos a mensagem uma vez que dominamos o código subjacente; porém tudo aquilo que podemos apreender imediatamente, unicamente pela leitura, Greimas denomina efeito de sentido – ou ilusão referencial, segundo Barthes (ou, ainda, ‘impressão referencial’, cf. Rastier, ou simulacre multimodal ). Somente ao procedermos à análise, poderemos explorar o sentido do texto e assim descrever sua significação. Barthes admite a pluri-leitura de um texto; Greimas busca uma leitura única. Se tentarmos conciliar essas posições aparentemente divergentes, podemos dizer que, quando se fala de pluri-leitura, trata-se, na realidade, de leituras parciais greimasianas que, por sua vez, esgotam-se, afunilam-se entre o desgaste dos planos isotópicos (leituras múltiplas e parcializadas), na busca da ACRONIA, isto é, da neutralidade espácio-temporal, causa determinante e auto-designativa na acepção do termo “ciência”, constituindo, dessa forma, uma leitura global e única na determinação dicotômica entre ganhador/perdedor=fatalidade (eixo semântico). Esclarecemos que somente são consideradas as leituras objetivas, com embasamento lógico-semântico e argumentações extraídas do próprio texto, isto é, de seu referente interno. Na semiótica de Greimas, abstemo-nos de todo e qualquer subjetivismo. A objetividade, na análise, garante a cientificidade da teoria.
Em síntese, a Semiótica Geral Greimasiana, esteio da “Semiótica da Escola de Paris”, supõe três segmentos :
semiótica-objeto – que é objeto analisável diante do qual se depara o analista-semioticista; é o conjunto significante – texto/discurso; é o nível de manifestação interpretado como efeito de sentido, evidentemente, anterior à análise;
análise semiótica – durante e após a descrição da significação; estabelecimento das relações entre as partes do objeto analisável, e entre as partes e o todo que ele constitui, até chegar-se às unidades indecomponíveis;
teoria semiótica – metalinguagem descritiva e operacional, instrumento metodológico que possibilita proceder à análise. Por meio da Teoria Semiótica, temos a possibilidade de enfocar os diversos níveis de significação de textos, isto é, de conjuntos significantes verbal e não-verbal, explorando-os e descrevendo-os. Esses procedimentos dão conta do percurso gerativo do sentido, mostrando como as estruturas que o compõem, hierarquicamente, unem-se à expressão para produzir a significação, ou melhor, como o sentido transforma-se em significação no momento da enunciação projetada sob forma de enunciado, atingindo, assim, o nível da textualização. É esse fenômeno da passagem da imanência à manifestação que nos autoriza a definir a significação como a articulação do sentido. É´ no terceiro segmento que sentimos a eficaz operatoriedade da teoria semiótica greimasiana (dita objectal ou do descontínuo), oferecendo-nos meios – por seu forte instrumental teórico – para a desconstrução do sentido no texto/discurso e em sua implicações enunciativas, lógico-semânticas, analisáveis pela utilização de procedimentos embreadores, por inserções*, intercalações* (emboîtements*), isotopias, ou pela apreensão nesse plano isotópico, da isotopia meta-discursiva.
  • Complementando essa teoria, surge a Semiótica Subjectal (ou do contínuo), de Jean-Claude COQUET , altamente produtiva, cuja operatoriedade consiste em proceder as análises sentindo a “presença” do sujeito da enunciação, no enunciado, por suas marcas dêiticas, postas ou pressupostas. Assim, toda a manifestação (discurso) representa uma enunciação-enunciada. O sujeito-enunciante é o actante operador não apenas de um /fazer/ narrativo , mas do seu /ser/ narrativo, isto é, daquele que, em busca do seu estatuto tipológico ora como sujeito, ora não-sujeito, ora quase-sujeito, deseja definir sua identidade narrativo-discursiva. Para esta Teoria do Sujeito, ou “Teoria das Instâncias” ofereceremos, numa linkagem em separado, dados complementares elucidativos.
As teorias semióticas dos renomados criadores – gênios no “modo de se fazer ciência” – são todas de suma importância quando utilizadas de conformidade com sua idealização. Além dessas teorias expostas, a Teoria de François Rastier (Semântica do Texto – Semiótica das Culturas) vem constituindo-se como um modelo avançado de pesquisa científica, expandindo-se para vários países.
O Diplôme d’Études Approfondies, a continuidade das pesquisas encetadas no Brasil e continuadas na França, a consequente tese de doutorado em Semiótica Verbal e Musical, e os pós-doutorados efetuados,  abrangendo o sincretismo verbo-musical e verbo-visual, tornaram possível nossa elaboração das teorias semióticas: dos Soemas/sonemas/sonoremas”, em Semiótica Musical, e a da “Figuratividade/figuralidade”, em Semiótica Visual, desvinculando as linguagens citadas do estatuto definitivo que lhes fora outorgado de “semi-simbólicas”, quando sua independência pode ser demonstrada,  permitindo-lhe – na articulação do sentido inerente à manifestação exclusivamente não-verbal – comprovar sua indispensável atuação de caráter simbólico.
Estas linguagens, atuando de forma isolada ou em simultaneidade a outras (verbais ou não), permitem, na atualidade, atestar como o sincretismo acontece.  Seus momentos de atuação permanente e os de interferências ocasionais entre grandezas semióticas diversificadas, instâncias motivadoras ou não motivadoras, a tensividade como pré-condição do sentido em manifestação semi-simbólica (com o verbal), e como sentido articulado na manifestação simbólica de ambas as linguagens.
O não-verbal se confirma como sistema, no enaltecer e valorizar o caráter verbal a ele vinculado, sendo ainda determinante do sucesso da manifestação verbal no sincretismo. Logo, na manifestação sincrética, as existências simbólicas só são absolutas, quando existe o reconhecimento  da interdependência destas “linguagens” para suas subsistências.
Como colaboração às semióticas não-verbais – na qualidade de semioticista, orientada por Greimas e co-orientada por  Coquet – , fundamentamos nossa teorização no “Percurso Gerativo do Sentido” (verbal) de A.-J. Greimas e suas obras, nos “Discurso e seu sujeito”, “Teoria das Instâncias” e “A busca do sentido” (verbal) de J.-C. Coquet, e na “Tábua das tricotomias” para a “Reconstrução do sentido” de C. S. Peirce. As semióticas de Greimas e Coquet, no entanto, foram de suma importância em nossas investigações pelo tempo que com ela (e com seus idealizadores) convivemos, para o embasamento de nossas reflexões com total objetividade e caráter cientifico.
Em resumo, só existirá a análise semiótica de um texto verbal, não-verbal, ou sincrético, se houver um objeto analisável e uma teoria metalinguística competente para explorar-lhe o sentido, articulá-lo, e descrever-lhe a significação.